quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Sobre a "Identidade do Eu"

 

 
O sociólogo Zygmunt Bauman possui um livro que recomendo a leitura chamado "Identidade - entrevista a Benedetto Vecchi". Trago um pequeno trecho para iniciar nosso raciocínio:

"Minha opinião é igual à sua... Sim, de fato, a "identidade" só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, "um objetivo"; como uma coisa que ainda se precisa se construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais - mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta."

 Identidade, algo que parece muito intuitivo a todos, possui uma construção complexa no decorrer da vida e uma tendência a uma estabilidade, uma solidez. Bauman, conhecido pelo conceito de modernidade líquida, talvez nos mostre em outros momentos de sua obra de que cada vez mais a solidez, mesmo da personalidade, talvez não seja tão sólida assim. Identidade traz em si não apenas aspectos estritos como saber seu próprio nome, ou reconhecer aspectos intrínsecos à sua fisionomia, ou saber sua data de nascimento, ou o número do CPF, mas traz aspectos culturais, históricos, e até sobre sua própria ancestralidade. A identidade é um universo em si só.

Ao estudarmos a mente humana temos a Identidade do Eu como um dos setores de funcionamento (e consequentemente de possibilidade de disfunção) do sujeito quando avaliamos a chamada "Consciência do Eu" que possui como desdobramento a conciência da existência do eu, identidade do eu, unidade do eu, atividade do eu e os limites do eu-mundo, determinando as vivências e compreensões inerentes às vivências psíquicas.

Elie Cheniaux em seu Manual de psicopatologia (4ª edição) nos diz sobre as alterações da consciência da identidade do eu (página 162):

"Quando a consciência da unidade está alterada, o paciente vivencia uma profunda transformação de sua personalidade ou do seu corpo. Sente-se como se não fosse mas a mesma pessoa, especialmente em comparação à pessoa que era antes do primeiro surto psicótico. Ele pode acreditar, em alguns casos, que a sua existênciaanterior foi na verdade vivida por outro. Pode acontecer também de o paciente, em função de um delírio, assumir uma nova identidade, em substituição à anterior: ele nega ser João da Silva e afirma ser Jesus Cristo (falsa orientação delirante. (...)"

Femi Oyebode, no livro SIMS - Sintomas da mente (5ª edição), discorre (página 197):

"Eu sou quem eu era semana passada ou 30 anos atrás; sou quem serei pela próxima semana ou daqui a 10 anos. Essa verdade, que pode ser dita sem hesitação, não é certa para algumas pessoas que sofrem de esquizofrenia e outros transtornos mentais, ou até mesmo para pessoas saudáveis em situações anormais. (...) Uma pessoa que se sente ameaçada em seu emprego e tem medo de ser demitida provavelmente não irá funcionar bem, devido à sensação de impermanência. A sensação de continuidade de si mesmo e de seu papel é um pressuposto essencial da vida, sem o qual o comportamento não pode ocorrer de forma adequada. Em um estado saudável, não temos dúvidas sobre a continuidade de nós mesmos desde o passado até o presente. Entretanto, pacientes com esquizofrenia ocasionalmente acreditam não terem sido a mesma pessoa sempre. (...)"

Volto com o trecho de Bauman: "a "identidade" só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço". Certamente nos reinventamos sempre e no decorrer do tempo amadurecemos nossa visão sobre o mundo e sobre quem somos e discretamente alteramos nossa identidade de foro íntimo. Mas existe uma essência identitária contínua desde que nos entendemos como quem somos e quando nos lembramos de nossa história em se tratando desse eu que vive dentro de nossa mente, nossos sentimentos e nossa personalidade. As mudanças discretas no decorrer do tempo, ou essa "invenção autêntica de nós mesmos", frente às experiências são comuns e possíveis. Porém,  há transtornos que acometem o funcionamento da mente, principalmente aqueles relacionados aos fenômeno da psicose, que podem ser temporários ou permanente, capazes então de alterar essa percepção sobre a própria identidade do eu, que certamente é eixo central para a gestão da própria vida e da vida em sociedade. Outros eventos externos ou psicopatológicos, capazes de alterar a percepção sobre a identidade do eu são o efeito de substâncias psicoativas, a despersonalização, os fenômenos dissociativos, entre tantos outros.

Prof. Thiago Coronato Nunes


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Sessão Clínica de 01.11.2021

Título: Transtorno de Ansiedade de Difícil Controle
Apresentação: Ramon de Vasconcelos Martins
Professores presentes: Corina Molter, Rosane Bittencourt e Thiago Coronato
Público: 17 pessoas (acadêmicos de medicina, membros da Liga de Saúde Mental da UNIFASE/FMP, médicos generalistas, médicos psiquiatras de Petrópolis).

Ramon de Vasconcelos, pós-graduando em psiquiatria, apresentou um caso clínico sobre transtorno de ansiedade resistente aos tratamentos estabelecidos até o momento, tendo tido a oportunidade de levar à sessão clínica a paciente em questão e sua psicóloga, que puderam enriquecer o debate através de entrevista realizada em tempo real. A comunidade acadêmica e os professores presentes puderam debater o caso e sugerir condutas a serem tentadas pelo médico assistente. Após a reunião realizada no Ambulatório Escola da Faculdade de Medicina, no bairro Samambaia, em Petrópolis, houve um lanche para confraternização dos presentes.

A título de curiosidade para aqueles que não estiveram na sessão, a paciente já fez diversos esquemas de tratamentos com antidepressivos isoladamente ou associados, sem resposta adequada para seus sintomas ansiosos. Sugeriu-se que a paciente utilize, de forma escalonada até dose plena, a substância buspirona, e na falha desta intervenção, que utilize pregabalina em alta dosagem. Essas decisões foram baseadas no diagnóstico exaustivamente discutido, na psicopatologia específica da paciente em questão e nos tratamentos já utilizados anteriormente.


Thiago Coronato, Rosane Bittencourt, Corina Molter e Ramon de Vasconcelos